Direito à Desconexão e as Relações de Trabalho

Atualmente vivemos em um mundo onde as tecnologias cada vez mais faz parte do nosso dia, através dos smartphones, tablets, notebooks, smart tvs, entre outras. E como era de se esperar essas tecnologias passaram a fazer parte das nossas relações de trabalho e com tais avanços tecnológicos, ao invés de agilizar e poupar horas no ambiente de trabalho, fazem exatamente o contrário deixando os empregados cada vez mais conectados ao empregador, trazendo grande dificuldade em definir um limite entre uma jornada e outra jornada de trabalho.

Os notebooks, smartphones e tablets, criam a possibilidade do trabalhador efetuar seu trabalho a qualquer hora e lugar, impactando diretamente na sua organização do tempo, trabalho, lazer, sobretudo após a regulamentação do teletrabalho pelo direito brasileiro.

Mas antes de adentrar ao tema, vamos conceituar o termo teletrabalho. Teletrabalho vem do grego, “tele” que significa “à distância” e “trabalho” é entendido como uma atividade profissional regular e remunerada ou assalariada.

Por outro lado a Organização Internacional do Trabalho (OIT), define o teletrabalho como uma atividade realizada mediante uso de recursos tecnológicos que facilitam as informações e comunicação prestada a partir de um lugar distante da empresa ou estabelecimento, e que permite uma separação física entre o local de produção e/ou prestação de serviço, da estrutura física da empresa.

E, diante a crise, gerada pela pandemia do Coronavírus, houve um grande aumento da demanda de teletrabalho, a necessidade de evitar o deslocamento obrigou os empregados e empregadores a se adaptar a tal forma de trabalho, despertando assim maior interesse pela questão do tempo livre.

Porém, por trás desta da “flexibilização” que o teletrabalho proporciona, há um invisível e excessivo controle do empregador, haja vista que este possui pleno controle sobre o empregado que se encontra a distância, através dos meios informatizados e telemáticos.

Com essa nova modalidade de trabalho, há dificuldade da divisão necessária e garantida constitucionalmente, do tempo destinado ao exercício da profissão e o do tempo destinado ao lazer.

Assim, a inobservância da jornada pactuada no contrato de trabalho gera uma violação do direito ao lazer (ócio) que está previsto no art. 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no art. 6º da Constituição Federal.

A defesa deste direito nas relações do trabalho, humaniza o homem, pois este é o momento de dedicar-se à família, aos estudos, à sua saúde mental e física, sem esse descanso é possível que o surgimento de transtornos mentais prejudicando assim as relações sociais do indivíduo.

O direito de desconexão garante que o empregado não fique sobrecarregado e possa executar outras tarefas fora do seu horário de expediente. O termo “desconexão”, é definido na lição da ilustre Professora e Doutrinadora Christiana D’Arc Damasceno Oliveira[1]

O direito à desconexão pode ser definido como aquele direito que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito a ingerências, solicitações ou contatos emanados do respectivo empregador, pessoa física ou do empreendimento empresarial para o qual o obreiro trabalha, em seu período de descanso diário (intervalos intra e interjornada), semanal (descanso semanal remunerado) ou anual (férias), e ainda em situações similares (licenças), em especial diante da existência das novas tecnologias (blackberry, palm, pager, fax, e ainda computador ou notebook munidos de Internet ou de rede). Dito de outro modo, configura-se o direito à desconexão como o direito do trabalhador (teletrabalhador ou não) de permanecer desligado ou “desconectado” do polo patronal e da exigência de serviços em seus períodos de repouso, notadamente em virtude da possibilidade de interferências do tomador de serviços nesses lapsos de tempo diante da existência das novas tecnologias.”

O direito à desconexão busca o equilíbrio na relação entre homem e o trabalho, diante dessa observação é possível analisar os efeitos negativos que o desenvolvimento dos recursos tecnológicos, a informatização e a telecomunicação, aliados a valores da nossa sociedade contemporânea, vem subtraindo o efetivo e verdadeiro descanso dos trabalhadores.

A ilustre professora e Doutrinadora Vólia Bomfim Cassar[2] traz um valioso entendimento a esse tema.

“Todo período de descanso, seja ele entre um dia e outro de trabalho, dentro da jornada, semanal ou anual, tem a finalidade de proporcionar ao empregado uma folga para repor as energias gastas pela execução dos serviços (fator fisiológico), a de permitir a convivência do trabalhador com a sua família e com a sociedade (fator social) e a de aumentar o rendimento, pois empregado descansado produz mais (fator econômico).”

Desta forma, o descanso somente terá por atendida sua finalidade se o trabalhador, efetivamente, desligar-se ou desconectar-se do trabalho e das preocupações, mesmo as inconscientes, que gera o seu labor.

O Ilustre Juiz e Professor Jorge Luiz Souto Maior, afirma que “descanso significa pausa no trabalho, a qual apenas será devidamente cumprida se houver a desvinculação plena desse labor, exemplificando que “fazer refeição ou tirar férias com uma linha direta com o superior hierárquico, ainda que o aparelho não seja acionado concretamente, estando, no entanto, sob a ameaça de sê-lo a qualquer instante, representa a negação plena do descanso”.

A nossa jurisprudência pátria tem se mostrado sensível a questão e adotando o entendimento de ser imprescindível o respeito ao direito à desconexão do trabalho.

Vejamos os julgados abaixo, que versam sobre a matéria em diferentes situações nas relações de trabalho:

DIREITO DE DESCONEXÃO DO TRABALHO. PLANTÃO NO PERÍODO DESTINADO A DESCANSO. CONTROLE PATRONAL POR INSTRUMENTO TELEMÁTICO. SOBREAVISO. A jurisprudência tem estendido os efeitos do § 2º do art. 244 da CLT, sendo devido o sobreaviso se no período destinado a descanso há regime de plantão submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos, com possibilidade de chamado a qualquer momento. Nesse sentido a Súmula 428 do TST. (TRT 3ª Região – RO- 00699-2012-109-03-00-9, Quinta Turma, Relator Desembargador José Murilo de Morais, Publicado no DEJT de 25 de março de 2013) (grifo nosso)

DIREITO AO LAZER E À DESCONEXÃO DO TRABALHO. NÃO OBSERVÂNCIA POR PARTE DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS. CABIMENTO. O direito ao lazer está expressamente previsto nos artigos 6º, 7º, IV, 217, parágrafo 3º e 227 da Constituição Federal, estando alçado à categoria de direito fundamental. Também está previsto no art. 4º do Complemento da Declaração dos Direitos do Homem (elaborado pela Liga dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1936), no art. XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no art. 7º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil, e no art. 7º , g e h do Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Interamericana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), ratificado pelo Brasil (Decreto 3.321/99). Ao empregador incumbe organizar a jornada de trabalho de modo a assegurar ao trabalhador a preservação da sua vida privada, social e familiar, assegurando-lhe a desconexão do trabalho. Ao impedir o efetivo descanso do empregado, o empregador exerce o poder empregatício de forma abusiva, e sua conduta caracteriza ato ilícito, nos termos do art. 187 do Código Civil. Cabível, nesse caso, indenização por danos morais, pois o trabalho invade a vida privada do trabalhador, atingindo sua esfera íntima e personalíssima, nos termos do art. 5º., V e X da Constituição Federal e dos artigos 186 e 927 do Código Civil. No caso em tela, ficou provado que ao autor era imposto o trabalho em horas extras habituais em finais de semana, sob pena de punição. Recurso não provido. (TRT-2 – RO: 02485001820095020067 SP 02485001820095020067 A20, Relator: IVANI CONTINI BRAMANTE, Data de Julgamento: 25/02/2014, 4ª TURMA, Data de Publicação: 14/03/2014) (grifo nosso)

RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO DO TRABALHO. INTERVALO INTRAJORNADA. Na doutrina de Jorge Luiz Souto Maior, os períodos de repouso são, tipicamente, a expressão do direito à desconexão do trabalho. Por isto, no que se refere a estes períodos, há de se ter em mente que descanso é pausa no trabalho e, portanto, somente será cumprido, devidamente, quando haja a desvinculação plena do trabalho (in Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 23,/2003). Assim, quando apenas havia períodos de aguardo de chamados, e não pausas regulamentares, ao longo da jornada, devida a paga das horas de intervalo. Recurso provido. (TRT 06° R. RO – RO 132600652009506 PE 0132600-65.2009.5.06.0005 – 1ª T – Rel. Desa. Dinah Figueiredo Bernardo – DJE 05.10.2010) (grifo nosso)

O Ministro do TST Alexandre Agra Belmonte em um acórdão no processo TST-RR-10377-55.2017.5.03.0186, deixou claro seu posicionamento a não desconexão do trabalho: Se não era para responder, por que mandou o WhatsApp? Mandou a mensagem para qual finalidade? Se não era para responder, deixasse para o dia seguinte. Para que mandar mensagem fora do horário de trabalho? Isso invade a privacidade, a vida privada da pessoa, que tem outras coisas para fazer e vai ficar se preocupando com situações de trabalho fora do seu horário.”

Mais uma vez o Ilustre Juiz e Professor Jorge Luiz Souto Maior traz uma reflexão sobre nossa postura diante do uso da tecnologia nas relações de trabalho. “Temos sido escravos do trabalho? Quase não respiramos sem nosso computador? Ele – o computador – está para nós como aquela bombinha está para o asmático? Trabalhamos dia e noite, inclusive finais de semana, e não são poucas as vezes que tiramos férias para colocar o trabalho em dia? Estamos pressionados pelos “impessoais” relatórios de atividade, que, mensalmente, mostram publicamente o que somos no trabalho, sob o prisma estatístico? E, finalmente, estamos viciados em debater questões nas famosas listas de discussão via internet?”

Desta forma o direito a desconexão do trabalho, deve ser exercida em sua plenitude e com isso permitirá que retornemos ao trabalho com maior sensibilidade, mantendo nossa saúde física e mental.

Contudo, não se pode negar, que o teletrabalho está cada vez mais sendo utilizado como uma nova forma de trabalho, ante suas características econômicas, associada à facilidade na prestação do serviço e a situação excepcional que estamos vivenciando, entretanto é imprescindível observar a real dificuldade em determinar o que é ou não tempo de trabalho e, em consequência o tempo que o trabalhador ficou disponível, daí a importância da discussão acerca do direito à desconexão, o tempo destinado a descanso.

Infelizmente ainda não temos uma legislação que discipline o direito à desconexão, mas é necessário analisarmos que tal direito é imprescindível para mantermos a saúde e a dignidade da pessoa humana, ou seja, do trabalhador. Não esquecendo que o uso destas novas tecnologias de informação e comunicação no âmbito do ambiente de trabalho já está em pauta de debate dos nossos tribunais, o que demonstra a preocupação em acompanhar as tendências do mundo globalizado e na forma como o Direito do Trabalho deve encarar a jornada de trabalho e o direito à desconexão, tendo em vista a utilização de dispositivos digitais de forma permanente.

José Tavares – Especialista em Direito do Trabalho.


[1] OLIVEIRA, Christiana D’Arc Damasceno. Direito à desconexão do trabalhador: repercussões no atual contexto trabalhista. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 22, n. 253, p. 63-81, jul. 2010.

[2] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2012, p. 686.

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